Carta aberta aos que suportam os seus filhos e netos, mas pensam que os amam
As relações familiares são guiadas por desafios e conflitos.
O laço sanguíneo, muitas vezes não é o suficiente para gerar uma “relação”, muitas vezes, apenas a força.
O exercício da maternidade e da paternidade não são missões fáceis, de modo algum.
Mas as vezes, me convenço que num mundo ideal, as pessoas não nasceriam com a capacidade de se reproduzir, mas sim, deveriam conquistar tal capacidade!
Dentre as “relações” forçadas que vemos, existem em número surpreendentemente alto, as que são fruto de uma gestação indesejada, as mães nesse caso, muitas vezes desenvolvem um repúdio ao bebê em suas barrigas, dificilmente por não se acharem capazes de suprir as necessidades emocionais e materiais deles, o que seria pensar neles, nos bebês em questão.
Mas sim, porque “não estão prontas”, “a gestação atrapalhará os meus planos”, “tirará a minha liberdade”, dentre outros pensamentos, que costumam balançar do mesquinho e egoísta ao insensível e a falta de empatia.
Muitas mães, superam isso e com o passar dos meses e dos anos, passam a amar os filhos e se realizam no exercício da maternidade.
Outras, após décadas, são plenamente capazes de dizer sem escrúpulos, para o filho em questão ou para quem estiver perto: “- Eu não queria, mas eu tive e amo muito sabe?”
Ocorre que essa é a casca do suportar travestida de amor.
O amor nos seus diversos conceitos filosóficos, religiosos e teóricos, implica necessariamente querer o bem do ser amado, até mesmo o pondo em primeiro lugar.
Oras, que espécie de amor é esse, que com o passar de tanto tempo, ainda parte da premissa do repúdio inicial?
E o verbaliza (esse repúdio) frequentemente, como uma leve e sutil punição ao ser que foi gerado, quase como se a mensagem subliminar fosse: “- Não ande fora da linha, fui legal o bastante para te deixar existir, não me dê mais trabalho, por favor. Você me deve algo.”
Teóricos dos mais diversos apontam a relação da cuidadora primária, geralmente a mãe, como a base da saúde mental e da proteção as doenças mentais do indivíduo.
Crescer ouvindo esse contraditório discurso de amor e ódio proferido pelo ser que te deu a luz, chega a ser uma atrocidade.
Já que o atroz, só pode ser o que é maligno, cruel e capaz de ferir gravemente.
Essas mães repetem e se justificam: “-Mas eu amo mais que tudo, é sagrado para mim, meu filho é tudo.”
Mas não é bem assim, geralmente nos momentos ruins, a rejeição vem à tona, como quando a criança faz birra e chora de forma estridente, mas quando ela está limpinha, bem comportada, com lacinhos, e um vizinho no hall de entrada exclama: "- Que linda criança," o ego dessa mãe se infla e ela naquele momento, sim gosta de ser mãe e ama o filho.
Um amor fugaz e condicional, porque não é permanente, já que cheio de condições, como
suprir as expectativas narcísicas dos genitores, até a volta dos pensamentos de repúdio inicial quando a criança efetivamente dá trabalho.
A prova da realização puramente narcísica que dá uma falsa sensação de “amor verdadeiro” manisfesta-se sutilmente, em situações de discurso e em expressões faciais.
É o cúmulo do pequeno, do medíocre ouvir uma mãe disputar com o pai, exclamando ferozmente: “-Ele parece comigo!”, -”Não, comigo!”, “-Mas a fulana disse que os olhos são meus…”, é possível até fisgar esse padrão de massagem egocêntrica ao ler num post numa rede social: “-O bebê parece com você.”, e a mãe comentar embaixo, “- Obrigada, só você disse isso.”
Porque ela precisa tanto disso? Se o amor é verdadeiro, a aparência da criança é o que menos deveria importar, correto? ou utópico?
Bom, quantas mães murmuram e dão indiretas do quanto estão estafadas? Com sorrisos de canto de boca, alegam: -”Só eu faço isso, o pai não.” Claro, em nenhum momento ela avaliará os desaforos e horas extras que o marido faz para pôr comida na mesa, para ela ficar em casa com o bebê, do qual tanto reclama!
Outro comportamento comum, hoje em dia é ao vermos avós que auxiliam na criação dos netos, geralmente as que tem condições financeiras superiores, empregada, casa própria, exclamam com emoção a hipótese de buscar o menino na escola!
Afinal criança é uma benção.
Mas as que tem condição financeira inferior, muitas vezes pensam e confessam com exclamações cifradas: “- Quem mandou eu ser avó? Eu cuidei dos meus, não pedi nada a ninguém…”
O que prova que até o dinheiro pode interferir na relação que deveria estar acima de tudo, no vínculo tão profundo de ser mãe e avó.
Novamente, a criança é suportada pelo laço sanguíneo e há uma fala que dá a impressão de amor.
Que amor é esse, que suspira de alívio ao deixar a criança na escola e secretamente pensar: “- Agora terei uma tarde de paz!”
Existe o movimento contrário, assim como o repúdio inicial, na gestação pode não ser trabalhado e virar esse falso amor, que só promove uma auto-afirmação, uma aprovação social e um leve parabéns que a mãe dá a si própria, há o repúdio terminal, caracterizado por filhos e netos, que não conseguem nem sequer suportar ou viver esse falso amor e motivados pelas mesmas mesquinharias que levaram aquela mulher a não querer ou verbalizar o não querer do filho que “tiraria a sua liberdade e a encheria de preocupações”, esses filhos e netos, pouco visitam, fazem um agá nas datas comemorativas e pagam os boletos de casas de repouso com um certo ressentimento, lá no fundo, na profundeza da alma, chegam a pensar: “- Poderia usar esse dinheiro para mim…”
Uma vez vi um mulher que disse com o peito estufado: “- Sempre que vi crianças fazendo birra, saí de perto, não sou obrigada a aturar, mas agora os meus são impossíveis e eu vou fazer o quê?”
Lei do karma? Tamanha falta de misericórdia e compreensão com o outro, agora tem que suportar o seu.
Ouvi outra que disse que morre de nojo de trocar uma fralda que não seja do próprio filho.
Mas achei curioso, que quando esse filho usou o penico no hospital, ela não achou que a enfermeira tinha que sentir nojo do ser que ela pôs no mundo! Uma criança é superior por ter o seu DNA? Desde quando?
Para encerrar com chave de ouro, quando o suportar vem à luz, o desconforto é tão grande para todos os envolvidos, que só sobra negar. “- Eu amo mais que tudo!” Então tá.
Filme sugerido, que mostra o ápice do suportar: "Precisamos falar sobre Kevin", dirigido por: Lynne Ramsay (2012)